Minha filha nasceu no dia 1º de abril, no dia da mentira. Dia 1º de maio ela fez um mês, justamente no Dia do Trabalho. Nesses 30 dias percebi a quantidade de mentiras que compramos sobre esse negócio de ser pai e mãe. Uma das responsáveis por propagar essas mentiras é a indústria da comunicação que, ironicamente, é onde trabalho.
1 – No parto, a protagonista deveria ser a mãe e não o pai ou o bebê.
Nos filmes, todas as vezes que uma criança nasce aparece o pai felizão comemorando com o resto da família e a mãe deitada em uma cama com um sorriso cansado. É uma cena que acontece direto nos filmes e também na vida real. Afinal, quem comemora é justamente aquele que trabalhou menos e tem mais energia pra receber os parabéns, enquanto a mãe, coitada, está exausta querendo colo e descanso. Isso é bem parecido com algumas empresas que conheço, em que o trabalho é feito pelas mulheres, mas os prêmios são dados aos homens.
2 – Deveríamos mudar todas as fotos dos bancos de imagem. A realidade não é florida.
Não existe aquela cena da mãe e o bebê sorrindo no meio do campo florido com roupas brancas. Pelo menos para os recém-nascidos é só choro e peito. E para os pais é só trabalho. Eu invejo os casais que dizem “minha filha já dorme 6 horas por noite”. Como vocês conseguem? Sério. Pra mim isso é tão distante quanto sorrir em um campo florido. É quase igual aqueles mega cases de publicidade, nos quais a campanha impacta milhares de pessoas, mas quando você vai ver a verba é 5 vezes maior do que o número de pessoas impactadas.
3 – Não existe aquele salto no arco narrativo. Na cena seguinte a criança não está com 10 anos.
A maioria das novelas tem uma trama bem emocionante até a criança nascer. E logo em seguida a criança está com 10 anos junto com uma galerinha da pesada se metendo em várias confusões. A realidade é que na cena seguinte a criança continua com a mesma idade, chorando, com fome e querendo colo toda hora. Se uma novela falasse só sobre o pós-parto seria emoção atrás de emoção. Mas quem se importa com o pós-parto, não é mesmo? Eu agradeço demais a rede de apoio que nos acolheu, porque a realidade não é um filme. É um dia após o outro, um dia após o outro, com o mantra “vai passar!”.
4 – Daria pra escrever uma nova trilogia de Star Wars só com os palpites alheios. Só alimentação daria uns 5 episódios.
Coisas que vão do “você não acha que essa criança tá muito magra?!” até “se não colocar no berço agora ela nunca mais vai acostumar”. Gente, nunca mais é muito tempo!
Na segunda semana você já consegue identificar claramente quem quer ajudar e quem quer espalhar seu viés de confirmação.
Sabe aquele departamento que deveria existir nas agências mas não existe? O departamento do “vai dar merda!”. Pois é. Ele deveria existir porque tem muita gente intitulada criativa que tira a “ideia disruptiva” do limbo e espalha sua verdade sem ao menos estudar o briefing. Se a gente tivesse seguido todas as opiniões que nos deram, hoje estaríamos bem ferrados.
5 – No início não existe esse “amor maior que o mundo”.
Amor é troca. Nas primeiras semanas a gente só doa, doa e doa. Às vezes me questionava: por que não sentia nada por aquele ser que só chorava? Amor é construção e presença. A primeira vez que minha filha dormiu no meu colo eu chorei copiosamente. Dá angústia no início, mas aos poucos o amor nasce, e aí é muito bom.
Nessa época de isolamento social, algumas amigas da Área de Comunicação me disseram que estão até gostando de trabalhar de casa, mas sentem falta do contato do dia a dia. Sentem falta porque a gente não se comunica só com palavras, nos comunicamos estando presentes.
Esse é um texto presente, que dou a mim mesmo, pois dia 1º de maio minha filha fez um mês de vida e no dia 4 fiz 44 anos.
Quem sabe, daqui a uns 10 anos eu olhe esse texto e queira trabalhar mais, aceitando menos mentiras.