QUEM?

“És um senhor tão bonito
(…) Compositor dos destinos
(…) Um dos deuses mais lindos”.

Sem saber de onde foram extraídos estes versos, o leitor que não conhece toda a música da qual fazem parte, do cantor e compositor Caetano Veloso, não poderia imaginar que os elogios são para o tempo, na canção “Oração ao Tempo”.

A palavra tempo pode gerar inúmeras conotações, mas, talvez, a mais apropriada seja a do “deus-tempo” mesmo, aquele absolutamente disciplinado, que cura dores e junta amores, dá o benefício da experiência, mas tira, todo dia, um pouco de nós, da nossa juventude, nos aproximando da separação da matéria. É ele um “deus” com duas caras então: é o responsável pelo fim de uma dor, mas nunca, em tempo algum, traz o benefício sem deixar marcas, para o bem e para o mal.

E não é porque o tempo é um “deus” que não aplica lá seus castigos. Os deuses nem sempre têm paciência e tempo paraaschances e oportunidades perdidas. Estar no lugar certo no tempo certo não é privilégio para todos…. é preciso estar atento, o tempo todo.

É uma grandeza. É assim que o tempo é tratado na Física, já que é o responsável por medir a duração ou a separação das coisas que podem se modificar. É fundamental na relação causa e efeito; é lei inquestionável para a Ciência. E como afirma Caetano, “é o senhor dos destinos”.

De tempos distantes, vem do latim tempus e, apesar de ser medido no período de 24 horas, o tempo assume diferentes durações em nós e só ele pode estabelecer cronologicamente o passado, o presente e o futuro, nos dando liberdade para esquecer, estar e sonhar. Tudo no tempo de cada um.

Na Bíblia, em Eclesiastes 3:2, há uma citação dedicada ao tempo e sua importância fundamental para a vida.

“Para tudo há uma ocasião certa

Há um tempo certo para cada propósito

(…) Tempo de nascer e tempo de morrer,

tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou”.

E o que fazemos no intervalo, entre nascer e morrer, é um tempo que corre por nossa conta. Temos tempo de sobra para praticar o livre arbítrio.

“E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo, tempo, tempo, tempo
Não serei nem terás sido
Tempo, tempo, tempo, tempo”

Na canção de Caetano, consagrada na voz da cantora Maria Gadú, o tempo é um “deus” na visão do poeta. Nas criações líricas pode assumir uma função abstrata quando usado para calcular o tempo impossível, como o período que demora para se amenizar a dor de uma perda, para se prever quanto durará a felicidade, a dor d’alma, o amor dos amantes.

Mas, mesmo abstrato, pode ser preciso para medir o amor materno, o amor fraterno e outros tipos de amores. Assume características materiais e frias quando se quer obter resultados matemáticos, físicos e químicos. É parte da fórmula da velocidade média, que é obtida com a divisão da distância pelo tempo, e é fundamental e preciso quando se quer saber o tempo exato de uma reação químico-físico, aqui, não há tempo para erros.

É o tempo, sem dúvida, uma entidade magnífica, é dupla sendo una, é “deus” em poema refinado e elegante, e é demônio quando empregado para calcular o tempo que se leva para economizar um milhão de dólares, para acumular coisas que se compram com papéis, em detrimento de sonhos que não se podem precificar. Aí ao tempo é dado uma tarefa que lhe coube muito bem no feroz capitalismo, cruel e impiedoso em que “time is money” (tempo é dinheiro) e “God is the market” (Deus é o mercado).

Como demônio, não admite que seja gasto com a tolice que são os sonhos. É preciso tempo para formular a estratégia e executar a competição para o acúmulo de coisas.

Fernanda Takai, do grupo Pato Fu, vê o tempo como amigo na canção “Sobre o tempo”, depositando nele a certeza de que, apesar do pretérito ser imperfeito, o dia bom ainda está sim no tempo futuro, não no tempo do impossível.

“Tempo, tempo mano velho
falta um tanto ainda eu sei
Pra você correr macio”

O tempo é exato e é abstrato, é pretérito, passado e futuro, se dispõe para o proveito da vida, mas nos aproxima todo dia do fim. O tempo é espera e esperança, mas é cansaço e descrédito. Mas de tão libertário que é, deixa que cada um o utilize da forma que desejar.

Dos sentimentos que o tempo traz, o verbo esperançar, no presente e no futuro, é o que dá o sentido da vida. É a antítese do verbo esperar como tão bem definiu o educador Paulo Freire.

“É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar.
E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo…”
Para quem sabe usar bem o tempo, ele é, definitivamente, um aliado. Mas isso é lá com cada um.

Tempo, tempo.

“Tempo amigo seja legal
Conto contigo pela madrugada
Só me derrube no final”. (Fernanda Takai, em “Sobre o Tempo”).

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SILENE SANTOS

Jornalista formada pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP), possui pós-graduação em Globalização e Cultura pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Possui 23 anos de experiência em Comunicação Social e atua no Atendimento às contas públicas da Área Comunicação.

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