Nunca mais se encontraram. Tentativas, poucas, deram em nada. A vida de cada um acontecia à distância de milhares de quilômetros. A possibilidade eventual de que viessem a se falar pessoalmente em algum lugar do mundo, sempre fora um estimulante para que a ocasião se cercasse de muitas expectativas, de parte a parte. Dias antes, às vezes semanas, a data marcada ganhava importância gradativa nas agendas. Todo um cenário mental era construído aos poucos, desde a descrição do local até os detalhes mínimos. O ambiente, o mobiliário, o cardápio, se fosse em um restaurante. Ou a iluminação, a música de fundo, caso o lugar escolhido fosse um bar ou clube noturno. Chegaram a definir um ponto turístico em uma pequena cidade de clima muito agradável no outono. Até simularam como seria a abordagem e como estariam vestidos.
Apesar do significado tão especial para amigos de longa data, algo sempre ocorria e o encontro era cancelado. Nada muito convincente, diga-se, por mais que o motivo alegado fosse algo mesmo justificado e, portanto, compreensível. Além de frustrar a expectativa gerada, os constantes recuos gradativamente colocaram em dúvida se havia de fato o desejo de se encontrar. O fracasso desse desejo nunca realizado acabou por afastá-los de vez. Mas, sem que pudessem sequer imaginar, uma surpresa estranha os aguardava.
Com o transcorrer do tempo, a relação entre eles tomou um rumo inesperado e, em vez de se diluir naturalmente, cresceu em intensidade. A memória afetiva passou a invadir suas vidas em momentos inesperados e sem possibilidade de defesa. Durante a fantasia do sonho, ao ver de repente alguém de feição parecida, ao reler uma antiga carta, ao constatar a precariedade amorosa com o parceiro atual, ao lembrar a travessia de uma avenida juntos certa vez, a sensação ainda física do toque casual dos corpos em uma longínqua tarde de sábado, o impulso de teclar o número de telefone no meio da noite apenas para ouvir alô do outro lado, não dizer palavra alguma e desligar.
Sem que compreendessem exatamente o que acontecia, vicissitudes como essas passaram a alimentar o cotidiano durante os compromissos sociais e de trabalho. Acostumaram-se com naturalidade à intervenção invasiva e paralela do acaso. Até conseguiram mais espaço para que se integrassem de vez às atividades corriqueiras. Ambos distantes, mas convivendo com esta realidade imaginária, mantinham ali viva a presença mútua no café da manhã, quando entabulavam conversas casuais, ainda com cara de sono. Nas compras de supermercado, se perguntavam qual item levariam ou deixariam de lado. Também na hora do banho se permitiam a troca de carinhos. Faziam passeios de bicicleta, iam ao cinema, dançavam colados na sala, programavam a viagem das férias. Enfim, passaram, cada um por si, a compartilhar uma vida a dois e assim estão até hoje.
Há uma linha nítida do tempo que interliga, em sequência, passado, presente e futuro. Vivemos sobre essa linha. Limitados ao tênue presente, sabemos que o passado passou e o futuro é uma incógnita. O que eles ainda não sabem é que habitam agora o tempo circular, em que passado, presente e futuro estão mesclados e indistintos. Quando tentaram tantas vezes se encontrar, o tempo era linear, sujeito a cortes abruptos e a fatos imprevistos e incontroláveis. Dessa forma misteriosa, mesmo para alguém que escreve este relato, o tempo circular se sujeita ao desejo deles, e não como o tempo linear em que vivemos sujeitados. Sem querer, e quem sabe movidos por essa força intuitiva estranha, o encontro naquele tempo era inadequado e desnecessário. Não havia tempo para os dois naquele tempo. Lá, era inconcebível e inaceitável. Nunca mais se encontraram.
Autor: Deva Ferreira
Publicitário desde o século passado, formado pela FAAP no longínquo 1976. Vida profissional em agências e também em voo solo. Tive a sorte de conviver e trabalhar com gente criativamente saudável. Conquistei prêmios, aqui e lá fora, sempre em equipe. Agora lido mais com estratégia corporativa, como consultor de negócios. Ah, publiquei alguns livros e tenho outros in progress.