E então 15 de setembro chegou… O Dia Internacional da Democracia. Viva a democracia! Viva!
Vivas à parte, é doído pensar que temos vivido sob a égide dela, mas sem ela de fato.
As incertezas hoje nos turvam o olhar e evidenciam que o cerne da conjuntura brasileira está cravado não em diferenças político-partidárias, mas morais. O que torna a democracia, de certa forma, assustadora. Afinal, a voz do povo pode ser tão bestial quanto o sentido estrito da palavra.
O que não deveria nos surpreender, afinal, o atual cenário político nada mais é que o resultado de uma construção nada digna, mas muito competente, da narrativa neoliberal e dos retrocessos por ela propagados e gestados nas últimas décadas, com o total apoio das ruas desvariadas. E junte-se a tudo isto uma dose cavalar de imbecilidade social, conservada in vitro por anos.
E é neste ponto que o assunto democracia se encaixa, ou melhor, se desconjunta. Afinal, é na concepção liberal e na redução da democracia que um regime político mal-intencionado eficaz se cria.
E mais, maquiando bem ideias de cidadania, de direitos civis, liberdade de escolha e igualdade convence-se muito bem na teoria. E, se pouca reflexão for estimulada, a prática pode ser tão encenada até que se torne uma convicção coletiva de um regime político do bem e em bom curso.
O problema é que democracia não é só regime político. Não é algo estritamente concreto. É conceitual e é complexo. Possui uma forma fluída. É princípio, meio e fim ao mesmo tempo. É isonomia e também isegoria. E é justamente neste último que o bicho tá pegando e tá deixando claro que nossa democracia agoniza…
Para festejarmos o dia de hoje, precisaríamos antes revisitar os conceitos de igualdade e da liberdade que temos podido praticar de fato. E isso significa olhar e ver as desigualdades, preconceitos e exclusões reais que temos permitido que coexistam conosco. Admitir que temos, nós mesmos, cerceado a própria e pequena liberdade, mesmo que seja ela deixar de vestir a camisa que acreditamos ou almoçar calado em família.
Estamos todos tão cansados, cada um em sua luta, que nos recolhemos ante os confrontos, e temos seguido a passos largos rumo ao abismo antidemocrático sem perceber…
O problema é que a democracia é uma forma sociopolítica que precisa do conflito para se legitimar. Não é o regime do consenso. Tampouco é o regime da lei e da ordem para a garantia das liberdades individuais, como o discurso liberal tenta nos convencer.
E, por isso, não há nada de errado em trabalharmos sócio politicamente o dissenso. Pois é graças à democracia que as mudanças temporais ocorrem, que a sociedade verdadeiramente histórica se abre para o possível, para as transformações e para o avanço do pensamento progressista e humanitário.
E é também pela democracia que os conflitos poderão ser ignorados e ressignificados de forma precisa. É por ela que a naturalização das desigualdades econômicas e sociais poderá ser combatida. Do mesmo modo, é ela quem fará frente a todas as formas visíveis e invisíveis de violência contra a vida e os muitos modos de vivê-la.
E é por isso, que este ano, mais do que nunca, o Dia Internacional da Democracia precisa de todo conflito possível de nossa consciência. Precisa sair da zona de conforto da forma política e assumir sua melhor configuração moral e humana, onde a reflexão sobre o aumento da cisão social entre a carência e o privilégio, que amplia sobremaneira todas as formas de exclusão, nos norteie e nos posicione em nosso correto lugar, não só por si, mas pelo todo.
Portanto, neste dia, reflitamos, conflitemos e democratizemos a Democracia que aí está.
Autor:
Rachel Crescenti é jornalista formada pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e possui especialização em Comunicação em Políticas Públicas Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Trabalha com Comunicação Pública e Marketing Político e de Campanhas Eleitorais desde 2006.