É um tempo mesmo muito engraçado esse… Tempo em que as coisas toleráveis se confundem com aquelas que não se pode tolerar e tudo perde a referência.
Como o intolerável Outono. Melhor mesmo seria se esta estação não existisse. O problema? As folhas secas. Porque não há nada que deva ser mais evitado que folhas secas pelas ruas em tempos como o que vivemos hoje em dia.
Afinal, Outono que se preza é o boreal. Outono austral deve mesmo ser invenção de poeta tupiniquim. Essa gentinha modernista que adora cachaça, poesia libertária e amor.
Por causa delas, o cidadão que se preza, precisa acordar cedo todos os dias e varrer bem varrido as calçadas de suas casas. Porque não há nada mais vergonhoso do que passeios amarelados a estalar sobre os pés. Cobertos por folhas ruidosas e retorcidas, sem nenhuma simetria ou senso de adequação. Desordenadas e, estranhamente, articuladas entre si. Voam quando querem, amontoam-se aqui e ali, despedaçam-se sem se importar consigo mesmas. Sequer, quando caídas de uma mesma árvore, conseguem ser iguais entre si. Sempre afeitas às diferenças de forma, natureza e cor e achando tudo isso normal.
Por isso, é preciso mesmo varrer as folhas secas todos os dias. Sem trégua, até que nada reste ao longo do dia que lembre o intolerável Outono. É preciso garantir que ninguém pise em folhas secas e pense nos poetas da estação primeira.
Sim, porque o Outono atrai poetas, e poucas coisas incomodam tanto como poetas. Sempre a enxergar beleza onde só deveria existir desgraça. Sempre a abrir os olhos do coração para aquilo que se deveria sentir além da intolerância.
É preciso impedir que seus versos revelem a história que a história não conta e o avesso do mesmo lugar. Relembrando que é na luta que a gente deles se encontra.
É preciso que todos odeiem o Outono ou, no mínimo, o considerem muito desagradável. É preciso tornar mudas essas coisinhas secas e barulhentas que teimam em acreditar no que um dia ainda verão.
É, sobretudo, um perigo permitir que o céu azul outonal contraste com o queimado das copas das árvores, causando vertigem às pessoas mais suscetíveis. Fazendo suas cabeças girarem ao vento. Fazendo o pensamento pegar no tranco. Fazendo com que a beleza das folhas caídas de uma mangueira se faça notar, seja por meio dos versos dos poetas pobres dos morros e periferias, seja pelo zumbido no ouvido da batucada popular entremeada pelo silêncio do grito excluído abafado.
É por isso que, em tempos estranhos como este, o Outono se tornou mesmo intolerável. Não bastasse o fato dele ser o tempo de avisar a todos que não se pode mais cantar e que o som do violão e dos tempos de mocidade devem ficar apenas na saudade, ele é a estação que antecede o tempo de florescer. Quando a esperança há de se renovar e a vida nos dará flores, frutos e um tempo com mais tolerância.