Bem sabemos do quanto a maioria das mulheres são apaixonadas por sapatos. Mas essa história não é de uma mulher e sim de um homem, o mais importante da minha vida: meu pai.
Quando eu tinha por volta de uns quatro anos de idade ou cinco, sabe-se lá… Meu pai gastava seu par de sapatos em inúmeras idas e vindas do trabalho. Devia ser um único par, pois estava velho, surrado e quem sabe até, furado.
Isso já não sei dizer… Enquanto ele passava por apertos na condução, apanhava chuva, tinha a roupa e os sapatos encharcados, perdia o ônibus e tudo o mais que envolvia seu cotidiano eu ficava com as subidas na goiabeira. Comia diretamente do pé seu fruto branco ou vermelho com bichinho de goiaba mesmo, assim me parecia ainda mais saborosa.
E também brincava com os passarinhos do viveiro dele. O que me valia muitas broncas, e palmadas, porque ele não gostava que eu assustasse os bichos.
Não sei quanto tempo levou do planejamento até ele realizar a aquisição de um sapato novo, mas esse dia finalmente chegou.
Preto reluzente e provavelmente um Vulcabrás. Por que Vulcabrás? É a única marca de sapato que me vem na lembrança da minha infância.
Satisfeito e orgulhoso com o sapato novo, colocou-o na sapateira, na prateleira mais alta, como um verdadeiro troféu.
O antigo depositou bem em cima da lixeira. E presumo deve ter feito, em pensamento, um agradecimento dando adeus ao velho e fiel amigo de muitas caminhadas.
Certamente, dormiu com um leve e discreto sorriso de satisfação.
Raiando o dia, após o banho, o café da manhã e da roupa trocada, dirigiu-se à área externa da casa.
A sapateira aberta denunciava: os sapatos novos criaram asas.
Algum larápio pulando o muro foi lhe subtrair o bem mais recentemente adquirido.
Sem o sapato novo, voltou-se para localizar o velho, que lhe sorria do alto da lixeira, parecendo dizer: vamos lá companheiro de muitas jornadas, ainda temos muito a caminhar…
E meu pai e seu antigo amigo seguiram para o trabalho, como fizeram por muito e longo tempo todos os dias, passo a passo sempre juntos.
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CÉLIA ARAÚJO
Redatora publicitária. Se formou em letras e fez pós graduação em publicidade na Cásper Líbero. Na criação conquistou: Prêmio Colunistas, Prêmio Anuário de Criação, Voto Popular About e Festvídeo em 2018 com dois filmes nas categorias: animação e órgãos públicos. Adora escrever, assistir filmes, visitar exposições e viajar.