Já preconiza o dito popular: a esperança é a última que morre. No entanto, o que o provérbio não afirma, mas que é fácil de constatar durante uma conversa de cafezinho no trabalho ou no almoço familiar de domingo, é que, apesar de ser o derradeiro defunto do sentimento humano, ela, a esperança, não é imortal. E, ao que tudo indica, já veio a óbito no Brasil.
Muito embora para grandes mestres do pensamento psicanalítico a esperança tenha um papel indispensável no fortalecimento psicológico do ser humano, o tema sempre foi secundário nos debates políticos. Uma pena! Tivesse o prejuízo social advindo de uma eventual morte precoce da esperança sido mais debatido, talvez a conjuntura sociopolítica vigente no País pudesse ser outra.
Não se trata aqui de discutir o embate ultra polarizado que está em pauta nesta eleição. Mas de pensar sobre um dos pontos de convergência desta discussão: a absoluta falta de esperança no próximo e em um futuro melhor para o País.
E a consequência desta discussão não ter sido melhor feita do ponto de vista sociológico é que deixamos de temer que um dia ela nos viesse a faltar. Sem nenhuma responsabilidade ou culpa, a imprensa brasileira deu forma a esta nossa displicência. Já há alguns anos a grande mídia nacional tem estampado em seus noticiários a senhora esperança na unidade de terapia intensiva. Acostumados a vê-la sendo mantida por aparelhos, entramos todos em luto antes da hora. Aceitando a fatalidade sem pensar nas consequências dela.
É bem verdade que a amostragem do caráter dos brasileiros, de vida pública ou privada, em muito colaborou para esta morte oncológica. Do caixa dois de campanha ao gato da TV a cabo, da propina aceita ou recebida ao uso da vaga de idoso no shopping, do dinheiro em ilhas fiscais até diminuir a velocidade só segundos antes de passar em frente ao radar de trânsito, uma parte considerável de nós é também culpada por esta perda irreparável.
E é bem perceptível que, é na desesperança da população, que a atual crise política nacional se calça. É no sentimento que contamina a maioria e se manifesta pela angústia de não ser capaz de avistar nenhum horizonte, de vislumbrar uma solução, que se dá o efeito mais perverso da realidade atual: o enfraquecimento da nossa sociedade.
Nós, brasileiros, temos velado a esperança já há alguns anos sem choro e nem vela. Em uma despedida longa e sem nenhuma consciência do valor do ente que estamos enterrando. Ao contrário. Aparentemente dizer “perdi a esperança no Brasil” é como “será que chove hoje?”. Uma introdução de senso comum e inofensiva às conversas de elevador. E pior, o tipo de comentário que parece viralizar. Como se as frases ditas crescessem em progressão aritmética, contaminando a tudo e a todos.
E, na ausência de um sentido, de uma lógica social, é que a corrupção se consolida, a falsificação das notícias cresce e a maledicência se generaliza.
É aqui que a massa se sente entregue à própria sorte e eutanasia a própria salvação.
E que estranho é ver a desesperança em um país tão religioso quanto o nosso… Crescemos ouvindo que a esperança é uma virtude que, juntamente com a fé e o amor, formam a tríade das virtudes teológicas cristãs. É como a tradição bíblica a enaltece e a destaca. Nela, a esperança representa a força que sustenta a caminhada dos fiéis através dos tempos. É a esperança que, durante o tempo da peregrinação terrestre, liga a certeza do objeto da fé à posse futura da felicidade.
E, visto por este ângulo, fica então bem claro por que a eleição atual mostra uma faceta tão desnorteada da sociedade brasileira. Pudesse a morte da esperança ter sido impedida, ou pelo menos protelada pelos meios de comunicação e redes sociais, talvez pudéssemos ter um facho de esperança sobre a própria desesperança. Talvez pudéssemos ter impedido que ela, desencarnada, fosse possuída pela figura oportunista dos salvadores da pátria.
O fato é que, no próximo dia 7 de outubro, todos nós iremos às urnas portando o título de eleitor e um documento com foto, mas sem aquilo que melhor nos norteia em relações às importantes escolhas da vida. Afinal, tal qual a Inês camoniana, nossa esperança é morta.