Acordei pela manhã e não se falava em outra coisa: os javalis selvagens da Tailândia. E durante dias sucessivos, eles, os javalis, passaram a frequentar nossas vidas como se os conhecêssemos há muitos anos. À primeira vista isso parece piada, mas revelou-se, na verdade, uma realidade cáustica, cruel. Dessas que a indústria da comunicação ama de paixão: garotos presos numa caverna sob iminente risco de vida. Uma história e tanto para se criar uma catarse coletiva. Dessas narrativas que acontecem de tempos em tempos. Provocam grande comoção. Desaparecem como apareceram e dão lugar a outras histórias, a uma nova comoção, que domina a pauta e coloca o que passou no esquecimento.
Aí a gente fica pensando: qual vai ser a próxima história capaz de causar uma comoção de grandes proporções? Que outro fato terá capacidade de alimentar essa indústria que funciona à semelhança do gigante Piaimã, comedor de gentes, da grande metáfora macunaímica de Mário de Andrade?
Se a gente pensar bem, uma coisa é certa, muitos acontecimentos são bem previsíveis e outros nem tanto. Podem causar comoção ou não.
Por exemplo, quem poderia “predizer” que um time de futebol de garotos da Tailândia, chamado javalis selvagens monopolizaria durante dias a audiência mundial? Coisa não previsível. Comovente.
Mas, e se disserem que alguém fortemente armado nos Estados Unidos vai entrar em uma escola e dar tiros para todos os lados, com vítimas jovens e inocentes, reacendendo a discussão sobre porte de arma no império americano? Previsível. Comovente.
E ainda, se a previsão for de uma grande chacina em território africano, no Congo, por exemplo, onde segundo analistas se dá o maior e mais sangrento conflito depois da Segunda Guerra Mundial em número de mortos (6 milhões de pessoas), mulheres sequestradas e violentadas, crianças inocentes sacrificadas e que já dura mais de 25 anos? Previsível. Não comovente.
Afinal, ninguém fala nada sobre isso. E ninguém faz nada a despeito disso. Mundo estranho esse que a gente vive…