Os números, cálculos e expressões matemáticas são um verdadeiro sacrilégio para aquelas pessoas que são de “Humanas”, como se costuma dizer. Peça a um profissional dessa área para se dedicar a um desses itens e terás um ser humano mergulhado em profunda angústia e ansiedade.
Para quem domina os temas que envolvem o mundo da Matemática, pode parecer uma tolice o horror que eles causam no ser de Humanas, mas não é. Essas questões e expressões são capazes de tirar o sono do sujeito. Como é que pode, esse pessoal dos números parece que nasce e vive para descobrir o valor do “x”? Ora, que importância tem o valor do “x”, quando valores humanos ainda estão em construção?
Logaritmos, seno e cosseno, raiz quadrada do raio que o parta e tantos números elevados à quinta potência fundem a cabeça da gente, dão nó na nossa ideia. “Nós queremos comida, diversão e arte” (Comida/ Titãs). Não queremos nem saber a quantas anda a cotação do dólar.
Brincadeiras à parte. O conhecimento pleno, em todas as áreas, é essencial para a formação intelectual do Homem. Por que é então que alguns governos, que deveriam se empenhar para a promoção da formação intelectual dos cidadãos, tentam tirar a humanidade do Homem?
Nem é preciso ir muito longe para percebermos o quanto as Ciências Humanas vem sendo vilipendiadas, dia após dia, com decisões tomadas na calada da noite. Há bem pouco tempo tentaram limar a Sociologia e a Filosofia da base curricular do Ensino Médio, mas, tão importante quanto as Ciências Exatas para a formação do cidadão, são as Ciências Humanas. Elas são fundamentais! A Sociologia se debruça a estudar a sociedade, os padrões de relações e tudo que é ligado à vida cotidiana, e a Filosofia questões relacionadas à existência humana, por meio da análise racional.
Da sociedade emergem líderes, ideias se libertam e a democracia e o direito se constituem. Perigoso isso, não? Tirar a humanidade do Homem? Isso não tem lógica. A conta não fecha e nunca fechará!
Em decreto presidencial, mais recente ainda, os cursos de Humanas foram excluídos do edital de bolsas de iniciação científica. Educação, Direito, Economia, Ciências Sociais e Filosofia: todos postos à margem. Nenhum pesquisador dessas áreas poderá acessar as 25 mil bolsas oferecidas pelo governo. Mas… e daí? Analisar os por quês dos comportamentos e ajudar a se constituir caminhos alternativos não está, definitivamente, nem perto das prioridades.
Falando sério agora: tudo depende da visão de cada um, da visão que se tem de mundo. Os números e as letras são essenciais e o ser humano é muito mais que definição. Ele é construção o tempo todo. É um transbordar para fora de si mesmo, numa dança em que cada um se junta à sua cara metade, esteja ela nas Ciências Humanas, Exatas ou Biológicas. Resumindo: “cada um nasce para o que é”!
Há quem prefira somar quantos somos, quanto temos em PIB, quantas são as pessoas e países mais ricos do mundo ou o quanto rendemos em produção. Mas, para quem é de Humanas, outras questões, que muitas vezes envolvem valores sim, são as mais prazerosos, veem a graça da vida em um poema de Ferreira Gullar, por exemplo, que usou os números para fazer uma conta perfeita, sem sobras e nem complicação, no trecho do poema “Dois e dois são quatro”:
Como dois e dois são quatro Sei que a vida vale a pena Embora o pão seja caro E a liberdade pequena (…)
A verdade é que por trás da frieza dos números há muito mais de humano e, numa combinação exata, um coordena o outro.
A situação atual do mundo, com a pandemia pelo novo coronavírus, nos mostra bem isso. Se vamos sair de casa hoje com segurança? Vai depender do número de mortos nas últimas 24 horas, do número de infectados, da porcentagem da população que não ficou em isolamento. Os números ditam, muitas vezes, o que devemos fazer.
Por trás do “x” número de humanos mortos – vamos nós encontrar o valor do “x” – existem centenas de famílias, casais, pais, mães, filhos, irmãos e mais de um milhão de amigos imersos em sociedades separadas por classes sociais, com pessoas incluídas, excluídas, empregadas, desempregadas, letradas e analfabetas. Cada uma com sua história de vida e, ao mesmo tempo, sendo mais um número para se somar à análise estatística de todos os temas que se possam imaginar.
É quando se deixa de ser gente para ser amostra de alguma coisa.